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Wilson Simonal volta à mídia

A partir de uma declaração até hoje não comprovada, a mídia rotulou o cantor de "dedo-duro" e alardeou que Simonal era informante da ditadura militar.

Por: Lilia Diniz

Em 1971, o cantor de música popular Wilson Simonal vivia o auge de seu sucesso profissional. Dono de um enorme carisma, era o rei do suingue. Negro, criado em uma favela carioca, filho de uma empregada doméstica, seu único rival no show business era o cantor Roberto Carlos. Simonal vendia milhares de discos, apresentava-se para multidões no Maracanãzinho, no Rio, e contava com importantes contratos publicitários. Mas o sucesso foi bruscamente interrompido. O cantor terminou seus dias no ostracismo, sofrendo de alcoolismo e de depressão. A partir de uma declaração até hoje não comprovada, a mídia rotulou o cantor de "dedo-duro" e alardeou que Simonal era informante da ditadura militar. O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (9/6) pela TV Brasil discutiu a postura da imprensa neste caso, que voltou a ser lembrado com o lançamento do filme Simonal – Ninguém sabe o duro que dei.

A imagem do cantor começou a ser abalada quando foi acusado de acionar o extinto Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) para prender e espancar seu ex-contador e extrair dele uma confissão de roubo. Simonal suspeitava que o ex-funcionário havia dado um desfalque nas contas de sua empresa. Durante um depoimento no processo que investigava a prisão do ex-contador, o inspetor Mário Borges justificou a ação do órgão com uma polêmica afirmação da qual não tinha provas: "Simonal é há muito tempo informante do DOPS e de outros órgãos policiais, tendo fornecido várias vezes informações positivas sobre atividades subversivas". A imprensa rapidamente condenou o cantor. O jornal carioca de oposição O Pasquim foi um dos mais críticos.

O debate ao vivo contou com a participação em São Paulo de Micael Langer, diretor e roteirista do documentário sobre Simonal. Langer é produtor, roteirista, diretor e pesquisador em curtas-metragens, vídeos institucionais e filmes publicitários. O pesquisador de música popular brasileira Ricardo Cravo Albin também participou no estúdio de São Paulo. Escritor, jornalista e historiador, produziu e idealizou o Dicionário Cravo Albin da MPB e fundou o Instituto Cultural Cravo Albin, uma sociedade civil que promove e incentiva atividades de caráter cultural. No Rio, o programa contou com a presença do jornalista Arthur Poerner, que teve seus direitos políticos suspensos e viveu exilado na Europa por 14 anos. Poerner trabalhou no Correio da Manhã, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa e O Pasquim, entre outros veículos. É autor de diversos livros, entre eles O Poder Jovem, sobre a participação política dos estudantes brasileiros.

Antes do debate ao vivo, o jornalista Alberto Dines comentou os principais assuntos da semana. O primeiro tema da coluna "A Mídia na Semana" [ver abaixo] foi a polêmica em torno do blog da Petrobras. Para Dines, a reação da grande imprensa foi exagerada: "A estatal errou, errou sim, ao decidir que publicará as perguntas dos repórteres antes que suas matérias sejam publicadas. Mas a Petrobras tem todo o direito de publicar as informações completas depois da divulgação pelo veículos para que o leitor compare as duas versões". Em seguida, Dines comentou a cobertura do acidente com o voo 447 da Air France (31/5), que transportava 228 pessoas de diferentes nacionalidades. O jornalista ressaltou que as buscas estão sendo realizadas por militares brasileiros e franceses, mas que a informação da participação francesa foi omitida dos brasileiros. O último assunto da seção foi a publicação de fotos comprometedoras feitas em na mansão do primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi, na Sardenha.

Efeito bola de neve

Em editorial sobre a relação dos meios de comunicação com o cantor Wilson Simonal, Dines relembrou que nos anos de 1970 a imprensa vivia sob regime de censura e, principalmente, autocensura. "Mesmo assim espalhou-se a convicção de que Simonal era um colaborador dos órgãos de repressão. Indícios foram transformados em evidências, estas em fatos e, de repente, a sua confissão de que era um homem de direita foi transformada em confissão de ser cúmplice dos torturadores", disse. O jornalista destacou que o sucesso do cantor "incomodava" diversas esferas da sociedade. "Nos Estados Unidos, a era McCarthy também produziu inúmeras injustiças. A diferença com os nossos anos de chumbo é que se estenderam ao longo de duas décadas. Nestas circunstâncias as injustiças só podem ser reparadas postumamente" [ver íntegra abaixo].

A reportagem exibida no Observatório entrevistou o advogado Antônio Carlos Biscaia, que pediu a condenação do cantor no processo movido por seu ex-contador. Biscaia contou que, ao examinar o processo, concluiu que havia comprovação de crime de extorsão praticado por Simonal, pelo motorista do cantor e três agentes do DOPS. No mesmo dia em que Simonal recebeu um comunicado de que o ex-contador havia entrado na Justiça para requerer seus direitos trabalhistas, o ex-funcionário foi preso e torturado para assinar um documento desistindo do processo. "A prova era inquestionável", disse. Biscaia comentou que o caso teve uma grande repercussão na época. Diversos veículos afirmaram que o cantor colaborava com a ditadura. "Se ele se utilizou de integrantes da repressão política do Estado para a satisfação de um interesse pessoal, isto revela que tinha prestígio e conhecimentos dentro do regime militar", disse.

Para o jornalista e pesquisador musical Sérgio Cabral, também entrevistado na reportagem, o fato de Simonal ser considerado "dedo-duro" aniquilou com a carreira do cantor. "Isto é uma coisa que brasileiro não perdoa. Perdoa até ladrão, perdoa tudo. Mas `dedo-duro´, não", disse. O jornalista explicou que a imprensa de oposição ao regime militar não podia "espinafrar" o governo porque a censura não permitia que as matérias fossem publicadas. A saída era "espinafrar" quem apoiava o regime. Nomes como Nelson Rodrigues, Gustavo Corção e Roberto Campos não foram perdoados pelos meios de comunicação. Sérgio Cabral avalia que Simonal "não tinha cabeça de político, de ser espião", mas que o cantor tinha importantes contatos no regime. "Ele não tinha ideologia de ser contra ou a favor da esquerda", disse.

Muitas vozes da mesma história

No debate ao vivo, Dines pediu para Micael Langer explicar o porquê de o advogado Antônio Carlos Biscaia, peça-chave no processo contra Simonal, não ter sido entrevistado para o filme. Langer explicou que outros nomes que fizeram parte da história contada no documentário não puderam ser incluídos – como Jairzinho, Hebe Camargo e César Camargo Mariano – por uma questão de contingência de produção. O filme demorou cerca de sete anos para ser concluído e foi dirigido por três profissionais – Langer, Claudio Manoel e Calvito Leal. Muitas vezes, era difícil conciliar as agendas. Um dia relembrado por Langer como fundamental para a produção foi o da entrevista com o ex-contador de Simonal. Neste momento, avaliaram que já havia material suficiente para editar o documentário.

"O balanço alegre de Simonal incomodava a quem queria música de combate?", questionou Dines no debate. Ricardo Cravo Albin considera que havia um "patrulhamento musical" no período da ditadura militar. "Sempre houve uma crítica que queria o que achava ser o melhor, como os grandes nomes dos festivais de música. Queriam música de mais densidade e de mais respeitabilidade histórica, que contribuísse para derrubar o regime autoritário", explicou. Segundo ele, para estudar a polêmica em torno de Simonal é preciso analisar a "época de exacerbação em que tudo ocorreu". Simonal tinha um "extraordinário talento", mas sua música "mais leve" não era tão aceita pelo intelectuais quanto o trabalho de outros artistas que se destacaram no período, como Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Cravo Albin disse que Simonal era um mito para um grande número de brasileiros e lembrou ter testemunhado um show no Maracanãzinho lotado onde o cantor "conduziu a massa".

Arthur Poerner comentou que em um "estado policial" cria-se um clima de suspeitas infundadas. Como a censura impedia que se falasse da ditadura, buscavam-se alternativas e muitas vezes criavam-se suspeitas sobre pessoas que colaboravam com o regime. "Simonal deu motivo para isso pela maneira como se comportou no caso", avaliou. Para Poerner, Simonal foi o primeiro pop star negro do Brasil. Durante muito tempo, o jornalista "teve a impressão" de que o cantor era um colaborador da ditadura militar. Somente a partir de uma entrevista de Nelson Motta ao Pasquim21, anos depois, foi convencido do contrário. Poerneer comentou que o cantor tinha o perfil "marrento". Mesmo depois de o caso ser encerrado, declarava ser "de direita e simpatizante da ditadura". O jornalista relembrou que durante o tempo em que viveu exilado na Europa presenciou situações nas quais pessoas inocentes passavam a ser suspeitas de colaborar com regimes de exceção.

Ainda um tabu

O público está "descobrindo e redescobrindo" o caso de Simonal a partir do documentário, na visão de Micael Langer. O diretor e roteirista explicou que o filme foi produzido para atrair diversos públicos. Pretendia ser um produto leve para agradar aos mais jovens e que "tocasse quem viveu naquele período". Langer comentou que muitas pessoas saem das salas de exibição cantarolando as músicas de Simonal. Houve casos de senhoras que deixaram o cinema chorando e agradecendo aos realizadores por "terem trazido de volta o Simonal para a vida delas". Langer acredita que a história do cantor "precisava ser contada" e comentou que ainda há receito em abordar esta polêmica. É preciso chamar a atenção para o "tamanho da pena" que a sociedade impôs ao cantor.

Ricardo Cravo Albin classifica a o caso de Simonal como uma "tragédia do poder". Um negro de origem humilde alcança grande sucesso e é roubado por seu contador. "Os poderosos acham que podem tudo", avaliou. O pesquisador musical não acredita que o cantor fosse "dedo-duro", mas "pediu um castigo" para o ex-funcionário que havia cometido um delito e não avaliou a consequência trágica que a ação ocasionaria. Na opinião de Cravo Albin, houve erro da parte do cantor, mas a punição foi prolongada por toda a vida. "Wilson Simonal morreu sem anistia", disse.

Fonte: Observatório da Imprensa